ESHTE Tourism Talks Vol. I

1 2 4 D A S P E R E G R I N A Ç Õ E S C R I S T Ã S / C A T Ó L I C A S A O T U R I S MO R E L I G I O S O Apesar de ter ocorrido a recuperação das peregrinações, apoiada pela pastoral barroca, e orientada, nomeadamente, para a devoção mariana, não se anularam as críticas em relação às mesmas. No final do século XVII, e ao longo do seguinte, duas forças opuseram-selhes (sobretudo às práticas menos corretas): o espírito da época e um clero mais culto. Quanto à Igreja, observou-se que as dioceses passaram a ser dotadas de padres seculares, formados nos seminários e, consequentemente, muito marcados pela instrução, recomendada pelo Concílio de Trento. Estes novos clérigos faziam visitas pastorais, mas deixaram de brincar e festejar com o povo, distinguindo-se dos fiéis, não só pelo hábito, mas também pelo comportamento reservado e pela educação mais esmerada. Para além do mais, toleravam mal, chegando mesmo a repudiar, as práticas religiosas pouco ortodoxas ligadas às peregrinações, aduzindo-se o facto de estas afastarem os crentes da igreja local e de desviarem das confrarias paroquiais as ofertas mais generosas. Pelo contrário, o clero regular que assessorava a maioria dos santuários e que distribuía todo o género de amuletos com poderes misteriosos aos que aí acorriam era mais transigente e impedia, de alguma forma, a anulação dessas formas de devoção. Em relação ao novo espírito da época, os que o fomentavam convidavam o homem a estabelecer-se neste mundo e a não se considerar um passante, conduzido por um ideal, situado para lá das realidades terrestres. Em paralelo, defendiam que partir para o desconhecido e quebrar por algum tempo a rotina quotidiana não ajudava a encontrar a verdade profunda. Segundo os filósofos, se Deus existia, para O satisfazer, bastaria um vago pensamento diário para Lhe agradecer a vida concedida, e o cumprimento honesto dos deveres humanos. Qualquer outra ação, pretensamente religiosa, seria uma manifestação de superstição e, daí, a Enciclopédia encarar a peregrinação como uma viagem de devoção mal interpretada e fora de moda. Mas as críticas não eram apenas de ordem moral, uma vez que as preocupações mercantilistas também faziam parte integrante da oposição às peregrinações. Por um lado, os governadores e os administradores, cada vez mais ciosos da boa ordem e da sábia economia, mostravam-se desagradados com as deslocações dos que para eles trabalhavam, submetendo-os a um controle que podia ir até à proibição. Por outro lado, os responsáveis pelos cofres do estado inquietavam-se com as saídas de dinheiro, inerentes a essas viagens ao estrangeiro, sendo o argumento expressamente invocado na ordenança do imperador José II, de 1772, pela qual se interditavam as peregrinações fora da área territorial austríaca.

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