ESHTE Tourism Talks Vol. I

9 0 Falámos até aqui de gastronomia local e de processos de gastronomização. Mas existe uma outra perspectiva sobre a gastronomia, entendendo-a como a arte de bem comer, que assenta na criatividade culinária e se traduz no prazer da mesa. Gastronomia implica conhecimento e paixão. Gastronomia é a alta cozinha associada a momentos de excepção e, por vezes, de luxo. E é também a tradição alimentar de um determinado território, valorizada, reinterpretada e trazida para o presente. É o discurso sobre a mesa e a possibilidade de escolha, é subjectividade e diversidade de gostos e de opiniões (Ory, 1998; Saramago, 2002). Qualquer que seja a definição, três dimensões são fundamentais no conceito de gastronomia: os produtos, a sua origem e os modos de os preparar (a arte da cozinha), a sociabilidade em torno da mesa (o prazer da mesa) e os saberes e o gosto, quer de quem prepara, quer de quem aprecia a comida (o saber gastronómico). A arte de bem comer envolve assim os produtos (quer os ingredientes principais, quer os temperos e aromas de um prato), os métodos e os processos de preparação culinária, os livros de receitas e as receitas orais, os utensílios e os equipamentos de cozinha, os espaços culinários, os empratamentos e a encenação da comida, a estética da mesa e dos espaços envolventes (louças, talheres, vidros e cristais, tecidos e elementos decorativos), os menus, as bebidas, os queijos e a doçaria, e todos aqueles que dão sentido a este vasto conjunto de aspectos: os que produzem, os que vendem, os que preparam e os que comem (Brillat-Savarin, 2010[1825]; Quitério, 1994). São eles, afirmava Brillat-Savarin (2010[1825]), os agricultores, os viticultores, os pescadores, os caçadores, os chefs e as suas brigadas de cozinha e, finalmente, os convivas. Quer como alta cozinha, quer como património de um território, abordar a gastronomia pressupõe uma visão alargada, transversal e integradora dos diferentes aspectos que se cruzam nas artes culinárias, no design de alimentos, da mesa e dos espaços onde ocorre o acto alimentar, no conhecimento, nos saberes-fazer, no património relacionado com a produção, transformação, comercialização e consumo, considerando todos aqueles que intervêm nestes diferentes domínios. Desde o final do século passado que a gastronomia tem vindo a ser reconhecida como património cultural. França foi pioneira neste reconhecimento. Em 1989 é criado o Conselho Nacional das Artes Culinárias, publicada legislação específica e realizado um inventário nacional do património culinário francês. França foi também pioneira na inscrição da Refeição Gastronómica dos Franceses na Lista Representativa do Património Cultural da Humanidade, classificação que ocorreu em 2010. G A S T R O N OM I A , U M P A T R I MÓ N I O A P E T E C Í V E L

RkJQdWJsaXNoZXIy MTE4NzM5Nw==